Todo ano é a mesma novela, o Sr. João vende a soja que não plantou ainda, para financiar os custos e pagar dívidas da safra passada. Quando vê que os recursos são insuficientes, recorre ao CPR (Cédula do Produtor Rural) para completar a necessidade de caixa. Será que vale a pena ver de novo?
A agricultura brasileira sofreu profundas modificações nos últimos anos devido a abertura econômica e financeira, a desregulamentação dos mercados e a formação de blocos econômicos mundiais. Para se ter ideia da amplitude da mudança, os recursos que o Governo destinava para financiar a agricultura caíram de quase R$ 100 bilhões na década de 80 para menos de R$ 20 bilhões hoje, para uma produção que decuplicou.
O Sr. João, assim como a maioria dos produtores brasileiros, prefere negociar um pacote com as grandes empresas processadoras que por sua vez oferecem um leque de serviços aos produtores, procedimento esse que se ampliou sensivelmente nos últimos anos.
Este tipo de relacionamento no qual o grande financiador da produção também é o principal comprador gera uma dependência unilateral na relação indústria e produtor rural. Além do mais, a Lei Kandir reduziu os ganhos e por consequência o interesse das indústrias em investir no Brasil, chegando a fechar algumas unidades de esmagamento de soja, por tabela empurrando os preços mais para baixo ainda.
Os custos financeiros engolem os lucros, os estoques mundiais de commodities reduzem os preços, os fertilizantes estão concentrados nas mãos de multinacionais, o dólar baixo e Sr. João quase em depressão.
Merece destaque a crença quase geral de que juros perto de 2% ao mês são baixos, o que é uma falácia. Calculando, por exemplo, uma taxa de 1,85% ao mês, equivale a dobrar a dívida em dois anos e nove meses. Como grande parte de produtores “rolam” suas dívidas, dá para imaginar o resultado final.
Sem perspectivas de aumento de preços nos próximos anos as esperanças de ganhos se esvaíram pelo ralo do tempo e as janelas da esperança permanecem apresentando um céu escuro.
A solução está no aprimoramento da gestão empresarial e financeira. Sr. João precisa se preparar para realizar um orçamento que lhe permita conhecer os custos totais e a receita de toda safra plantada. Depois deverá garantir o valor da receita e os lucros. Ele precisa saber exatamente por quanto vai vender e quanto vai lucrar.
Para garantir o valor de venda, deverá recorrer ao mercado futuro, como fazem os produtores norte-americanos. Poderá continuar negociando com a multinacional, garantindo seus fertilizantes e o fluxo de caixa, mas garantindo também os lucros.
Evitar cair na armadilha de querer ser especulador. Não importa vender a soja no mercado futuro para garantir os lucros e correr o risco de vê-la subir muito de preço e deixar de ganhar, isso é para especuladores. O que importa é garantir os lucros e se capitalizar ao longo dos anos. Se quiser ganhar na especulação é possível, mas aí é outro negócio, é mercado de capitais e não produção agrícola. Pense nisso, mas pense agora!
Saulo Gouveia é consultor financeiro e organizacional, e atua oferecendo novos significados para viver as virtudes em abundância. Articulista de A Gazeta, escreve neste espaço aos domingos. www.seubolso.net